Platonov, em seu tratado do treinamento, aponta um fato curioso nos primórdios do estudo da educação física: algumas pessoas, na busca de evoluir no esporte, se baseavam em conhecimentos completamente intuitivos, muitas vezes copiados de algo da natureza ou de algum atleta que aparentemente sabia o que estava fazendo.
Para tentar correr rápido, que tal se inspirar em cavalos? Para nadar rápido, observar peixes. Muito do conhecimento inicialmente era assim. Quando algum atleta fazia algo que dava um resultado superior, era óbvio que isso possuía um significado bem maior que copiar animais e assim os atletas foram imitando uns aos outros, sem senso crítico do motivo pelo qual dava certo - copiando por copiar, em resumo. Sem saber explicar o porquê.
Isso acontecia por alguns motivos:
A teoria do desporto estava longe de ser desenvolvida, não havia conhecimento suficiente sobre metabolismo celular, fisiologia do exercício, etc.
Na falta de referência de alguém para ensinar, os atletas com melhores resultados eram encarregados de conduzir o treinamento, independente de terem senso crítico ou não, vocação para ensinar ou não. O mesmo valia para gestão esportiva, que possuía muitos atletas sem conhecimento de administração assumindo cargos.
Com o passar dos anos, surgiram laboratórios voltados para fisiologia humana (a partir do século XX, como o de Harvard, por exemplo) e o estudo da bioquímica avançou bastante, impulsionando revistas voltadas para a performance esportiva anos depois. Por fim, começou o ensino da teoria do desporto em universidades.
Naquela época, início do século XX, era completamente aceitável se basear mais na intuição do que em ciência e senso crítico. Não havia muito conhecimento acessível. Hoje em dia, com tudo que temos de conhecimento disponível, é obrigação dos treinadores se basear em ciência para aprimorar o treino. Criatividade, empatia e até mesmo intuição possuem um papel no treinamento desportivo, mas não são nada se não forem fundamentadas no impacto fisiológico que as decisões tomadas no treino causam no corpo.
Mas aí acontece algo curioso na geração da mídia social de altíssima volatilidade: em um ambiente onde a maior visibilidade e exposição favorece os conteúdos de entretenimento (no caso do Instagram, entretenimento é sempre prioridade), nós temos um retorno ao que era feito no início do século XX. Alguns influenciadores, sem dominar a ciência do que fazem, conseguem se firmar como autoridade fazendo algumas gracinhas, levantando uns pesos inclusive de forma arriscada para chamar a atenção do leigo. Fazer a gracinha não é o problema central - conteúdo de humor faz parte da mídia social. Não vejo problema algum em alguém sério usar de bom humor para entreter. O problema é quando as presepadas no treino e conteúdo fingindo que é elite ou autoridade de algum esporte vira uma ferramenta para vender produtos e serviços baseados puramente na imitação, sem ciência alguma por trás. Um copia e cola sem sentido algum.
Os profissionais mais sérios que eu conheço do âmbito esportivo simplesmente não possuem cabeça ou tempo para formular uma estratégia de marketing cujo cerne é a palhaçada ou atenção. Todo mundo tem um limite de horas no dia para trabalhar. O modo que você emprega essas horas diz muito sobre sua carreira. Enquanto temos ótimas informações sendo compartilhadas em alguns podcasts e textos, infelizmente a firula do jovem “tiktoker” alcança mais visibilidade, afinal ele estuda como atingir visibilidade o dia inteiro. Após engajar inúmeras pessoas novas através de sua abordagem “galerosa” (como diria Hermes e Renato), ele chega ao final do vídeo e vende seu produto, sua consultoria. Não é formado nem em educação física, nem em nutrição, mas vai vender serviço dos dois em escala por causa da fanfarronice que o faz alcançar a galera jovem. Reparem que esses influencers dominam a "linguagem da polêmica", intuitivamente sabem como polemizar com coisas superficiais.
É a fórmula do fake till you make it. O problema é quando inúmeras pessoas caem nessa cilada achando que estão contratando um profissional, quando na verdade é um palhaço que as atende.
O que eu recomendo é que clientes ao contratarem um serviço sempre perguntem o porquê de alguns direcionamentos do serviço, busquem explicações com quem contrataram. Educação não pode ser algo unilateral, é uma troca entre aluno e professor, entre cliente e profissional.
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